JUIZ DE FORA (MG)

Briga entre gangues eleva assassinatos e põe 'Manchester mineira' em alerta

THIAGO AMÂNCIO
AVENER PRADO
ENVIADOS ESPECIAIS A JUIZ DE FORA (MG)

"E o que tem para fazer aqui à noite?". Essa é a pergunta da reportagem a Luiz Carlos Barbosa, 62, logo após o líder comunitário relatar a falta de estrutura do conjunto residencial em que vive em Juiz de Fora (MG). O Parque das Águas é conhecido pela violência.

"Assistir novela e dormir", responde, antes de ser interrompido pela filha de 10 anos. "A não ser quando matam alguém. Aí é festa no bairro."

Avener Prado/Folhapress
JUIZ DE FORA, MG, BRASIL, 20-11-2017: Parque das Águas, conjunto habitacional Minha Casa Minha Vida, também conhecido como?Parque das Almas? devido ao alto índice de violência. Em Juiz de Fora, número de assassinatos explodiu na última década. Eram cerca de 30 casos até 2010. Em 2012, foram 67 mortes, desde então, todo ano registra mais de 100 vítimas. Em 2016, foram 135. Só até agosto deste ano foram 87 casos, segundo a secretaria de Defesa Social de MG. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Conjunto habitacional Parque das Águas, em Juiz de Fora (MG), ganhou o apelido de 'Parque das Almas'

Outrora pacata cidade da zona da mata mineira, Juiz de Fora, com 564 mil habitantes e a 272 km da capital Belo Horizonte, viu o número de assassinatos explodir na última década. Até 2010, os homicídios dolosos na cidade ficavam na casa dos 30. Em 2012, o número atingiu 67 e, desde então, não ficou abaixo de 100: 135 morreram dessa forma no ano passado.

Só até agosto deste ano, já foram 87 vítimas na cidade.

A cidade acompanha tendência nacional a que especialistas em segurança pública chamam de "interiorização da violência": a onda de assassinatos tem se deslocado das capitais, tradicionalmente violentas em suas periferias, em direção a municípios menores mas também populosos.

Considerando apenas homicídios dolosos, as capitais do país tiveram redução de 4% nas vítimas de 2015 para 2016 (passaram de 13.990 para 13.462). Já no restante das cidades, houve um aumento de 6%: de 38.317 para 40.471.

Juiz de Fora, cuja forte industrialização no século passando lhe rendeu o apelido de "Manchester mineira", passa por processo similar: se por lá de 2012 a 2016 os assassinatos aumentaram 100%, em Belo Horizonte caíram 26% no mesmo período.

Segundo o sociólogo Paulo Fraga, professor da universidade federal da cidade e estudioso da violência, as características dos corpos encontrados muitas vezes apontam execução. "Várias perfurações, tiro na cabeça, tiro pelas costas, e muito espancamento. O que indica disputas de grupos rivais", explica.

"São grupos com determinadas identidades que veem o outro como inimigo. E a territorialidade é um fator importante, os autores são ligados a determinados bairros".

A hipótese é corroborada pelo delegado de homicídios Armando Avólio Neto, que confirma que umas das principais causas de homicídio é a briga de bairros rivais. "Tenho casos aqui em que o sujeito assumiu que matou outro só porque era de um bairro diferente e estava andando por ali", diz.

Avener Prado/Folhapress
JUIZ DE FORA, MG, BRASIL, 21-11-2017: Parque das Águas, conjunto habitacional Minha Casa Minha Vida, também conhecido como?Parque das Almas? devido ao alto índice de violência. Em Juiz de Fora, número de assassinatos explodiu na última década. Eram cerca de 30 casos até 2010. Em 2012, foram 67 mortes, desde então, todo ano registra mais de 100 vítimas. Em 2016, foram 135. Só até agosto deste ano foram 87 casos, segundo a secretaria de Defesa Social de MG. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Crianças jogam bola no conjunto habitacional Parque das Águas, conhecido pela violência em Juiz de Fora (MG)

PARQUE DAS ALMAS

Foi por essa briga de bairros que o conjunto habitacional Parque das Águas, onde vive Luiz Carlos Barbosa, ganhou o apelido de "Parque das Almas". O líder comunitário acusa a prefeitura de não ter se atentado a essas questões quando fez a distribuição das casas populares.

As primeiras mortes aconteceram poucos meses após a inauguração do conjunto, em 2012. Foram 13 no total. Na última, no feriado da Proclamação da República, um rapaz foi morto depois que atirou contra pessoas em bairros vizinhos, segundo moradores.

A situação chegou a ponto de a associação de moradores pedir na Justiça reparação de danos morais.

Entre outros problemas, eles alegam que a seleção dos moradores "fez com que grupos diversos e rivais passassem a conviver na mesma localidade sem nenhum trabalho de aproximação, assim, conflitos de vizinhança explodiram e ainda permanecem de maneira muito grave e violenta, fazendo com que alguns moradores desistissem de ficar nas casas destinadas."

Avener Prado/Folhapress
JUIZ DE FORA, MG, BRASIL, 21-11-2017: Parque das Águas, conjunto habitacional Minha Casa Minha Vida, também conhecido como?Parque das Almas? devido ao alto índice de violência. Em Juiz de Fora, número de assassinatos explodiu na última década. Eram cerca de 30 casos até 2010. Em 2012, foram 67 mortes, desde então, todo ano registra mais de 100 vítimas. Em 2016, foram 135. Só até agosto deste ano foram 87 casos, segundo a secretaria de Defesa Social de MG. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Pichação em muro de escola do conjunto habitacional Parque das Águas, em Juiz de Fora (MG)

DROGAS

Para o juiz Paulo Tristão, no fundo a disputa entre bairros é a guerra pelo tráfico de drogas. "Nos tribunais do júri, 90% dos homicídios aqui tem uma palavra como plano de fundo por trás: droga", diz.

Além da disputa pelos pontos de venda, há também o "banho de droga", gíria para dívida com o tráfico, segundo a advogada Leticia Delgado, que levantou o perfil das vítimas em 2013: 62% tinham menos de 29 anos, 83% foram mortos com arma de fogo, e os casos eram concentrados nas regiões periféricas.

A proximidade com o Rio de Janeiro fez também de Juiz de Fora opção para criminosos da capital carioca, segundo o defensor público Luiz Antônio Barroso Rodrigues, que atua no tribunal do júri da cidade. "Nós estamos a duas horas do Rio, numa cidade que era muito pacata. Isso colaborou muito", diz.

O delegado Avólio Neto também diz que tem percebido em inquéritos policiais que cada vez mais aparecem menções a facções criminosas Comando Vermelho, Terceiro Comando e Amigos dos Amigos –há pichações na cidade com as siglas desses grupos.

Avener Prado/Folhapress
JUIZ DE FORA, MG, BRASIL, 21-11-2017: Armas armazenadas no Fórum de Juiz de Fora. Em Juiz de Fora, número de assassinatos explodiu na última década. Eram cerca de 30 casos até 2010. Em 2012, foram 67 mortes, desde então, todo ano registra mais de 100 vítimas. Em 2016, foram 135. Só até agosto deste ano foram 87 casos, segundo a secretaria de Defesa Social de MG. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Armas apreendidas pela polícia ficam armazenadas no Fórum de Juiz de Fora (MG) antes de serem destruídas

Além disso, a disponibilidade de arma de fogo é apontada como fator de aumento da criminalidade. Em 2012, 17 armas em posse do Exército foram desviadas na cidade. Três soldados e um civil foram acusados pelo furto, e ainda aguardam audiência.

Avólio Neto destaca a falta de estrutura da Polícia Civil para combater a criminalidade. As duas delegacias de homicídio de Juiz de Fora têm, juntas, seis investigadores e um só carro funcionando: se dois homicídios acontecem em locais diferentes, a delegacia precisa escolher qual ocorrência atenderá primeiro.

DEBATE PÚBLICO

Apesar da recente escalada da violência, a cidade ainda tem uma taxa de homicídios abaixo da média nacional. Segundo Delgado,os assassinatos, por serem restritos a bairros periféricos, ainda não entraram no debate público. "Furtos e roubos por aqui repercutem muito mais que mortes, a não ser quando a vítima foge do perfil", diz.

Foi o caso do casal Caio Marques, 24, e Luisa Lima, 22. Estudantes universitários de classe média que namoravam havia sete anos, eles planejavam se mudar para a Austrália depois de formados. Mas tiveram o sonho interrompido: foram assassinados na noite de 2 de julho.

Avener Prado/Folhapress
JUIZ DE FORA, MG, BRASIL, 21-11-2017: Luciana Gomes, esteticista, 47 e Carlos Marques, representante comercial, 56 seguram celular com a foto do filho Caio Sergio Gomes Marques, 24, estudante, que foi assassinado. Em Juiz de Fora, número de assassinatos explodiu na última década. Eram cerca de 30 casos até 2010. Em 2012, foram 67 mortes, desde então, todo ano registra mais de 100 vítimas. Em 2016, foram 135. Só até agosto deste ano foram 87 casos, segundo a secretaria de Defesa Social de MG. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Pais de Caio Marques, 24, lamentam perda do filho, assassinado em Juiz de Fora em julho deste ano

O caso repercutiu na imprensa local. A polícia apura o envolvimento de Caio com o tráfico de drogas, hipótese rechaçada pelos pais do jovem.

A maneira como a família dele escolheu para lidar com o luto foi a luta pela justiça. Contrataram advogados como assistentes de acusação contra os dois acusados pelo crime, que estão presos e aguardam julgamento.

"Meu filho ser assassinado e eu não fazer nada, deixar pra lá?", revolta-se a mãe do jovem, Luciana.

As famílias, agora, tentam reconstruir a vida. Tem vezes que a irmã mais nova de Caio, de 16 anos, passa dias no quarto. Os pais não dormem sem se medicar. "Você saber que um cara colocou a arma na cabeça do seu filho, isso desmonta qualquer sujeito. O que é o dia a dia nosso? Tudo é muito: é muita saudade e é muita dor", resume o pai, Carlos.