Usuários do metrô embarcam e desembarcam das portas dos vagões na estacão da Sé, no centro de São Paulo - Foto Julio Bittencourt/Folhapress

E agora, Brasil? - Transporte urbano

Um diagnóstico do transporte urbano, os problemas e as propostas vindas de pesquisas, dados nacionais e internacionais e análises

Capítulo 7
Como avançar

Propostas para melhorar o transporte urbano no país

Mudar a forma de financiamento do setor, eliminar a prioridade do carro e reduzir vias de trânsito são algumas das sugestões para uma política nacional de desenvolvimento

Leão Serva

1 - Prioridade para o transporte público em vez do carro

Impacto Alto

Prazo Curto a longo

O quê? Incentivos fiscais e subsídios federais, estaduais e municipais devem ser focados em indústrias de veículos pesados de transportes e construção e manutenção de serviços de transportes públicos. A indústria automobilística tem sido a espinha dorsal da lógica oficial de indução do desenvolvimento brasileiro

Como? Ações conjuntas das três esferas de poder para mudar a cultura da mobilidade, como cobrança de pedágios urbanos e restrição progressiva à circulação em áreas densas

2- Criação de Autoridades Metropolitanas de Transportes

Impacto Alto

Prazo Médio

O quê? A Autoridade Metropolitana deverá permitir a definição e o planejamento da rede de transporte da região e a gestão compartilhada de custos, investimentos e políticas fiscais e tributárias, de oferta e demanda de transportes públicos e locomoção em geral. O Estatuto da Metrópole, de 2015, prevê a "governança interfederativa". Deve resultar em redução do poder relativo de cada município nessa questão.
O prazo para entrega de planos de desenvolvimento urbano integrado foi prorrogado para 2021

Como? Deve ser composta por representantes de União, estado e municípios e representantes de governos, operadores de transportes e sociedade civil, que estabeleçam políticas e medidas comuns para a
região metropolitana, como em uma espécie de assembleia de condomínio ou de acionistas de uma empresa, que elegem diretores com mandato para decidir em nome da coletividade

3 - Estabelecimento pelas Autoridades Metropolitanas de redes de transporte de grande, média e pequena distância

Impacto Alto

Prazo Médio a longo

O quê? A rede de transporte pública completa deve atender à necessidade dos cidadãos tanto de viagens metropolitanas quanto de deslocamentos locais, em torno de suas casas. Para isso, deve integrar diferentes soluções para as diversas demandas

Como? Integrando grandes troncos de Metrô, VLT ("bonde") ou corredores expressos de ônibus (BRT) a linhas locais de pequenos ônibus ou vans que percorram todos os bairros de todas as cidades da região metropolitana. É essencial que ela seja integrada física, operacional, tarifária e institucionalmente, para que não haja conflitos de interesses entre operadores de uma parte e outra dos serviços. Nas regiões metropolitanas e capitais, o sistema estrutural, as linhas de grande demanda, deve ser o metrô; as linhas de média demanda devem ser VLT ou BRT. Nas cidades médias, os corredores estruturais de média capacidade devem ser VLTs ou BRTs. Nas cidades pequenas, o sistema deve contemplar linhas de ônibus ou "bondes"

4 - Mudanças da forma de financiamento para incluir a participação de receitas não tarifárias

Impacto Médio

Prazo Curto

O quê? Incluir a participação de receitas não tarifárias. Hoje os usuários de transportes pagam os custos dos sistemas na quase totalidade das cidades (em plano municipal apenas São Paulo subsidia parte da tarifa; no Rio e em Brasília, há algum tipo de subvenção governamental) e os orçamentos públicos pagam investimentos em construção da infraestrutura. Receitas não tarifárias permitem reduzir o preço das passagens sem onerar o Tesouro. Empresas de transportes passam a se beneficiar direta e exclusivamente de receitas não diretamente relacionadas à sua atividade fim

Como? Venda e aluguel de imóveis, como construção de prédios residenciais ou comerciais sobre estações de metrô e trem; atividades comerciais adicionais à atividade fim, como publicidade, realização
de eventos; taxas e impostos criados especificamente para o financiamento do transporte público

4.1 - Receitas não tarifárias: adoção da "Cide Municipal"

Impacto Médio

Prazo Curto

O quê? União cobra uma taxa (Cide) sobre o preço dos combustíveis, destinada a investimento na infraestrutura de transportes. Hoje essa alíquota é de R$ 0,10/litro de gasolina e R$ 0,05/litro de diesel. A ideia é que o imposto seja aumentado e passe a ser compartilhado entre a União e o município onde o combustível é vendido e tenha destinação obrigatória para o desenvolvimento dos transportes públicos das metrópoles. A medida elevaria o preço dos combustíveis para o consumidor final

Como? Cobrança se dá como hoje, na rede de distribuição de combustíveis. O prazo pode ser antecipado se o governo federal aumentar a Cide por medida administrativa e passar a compartilhar o adicional arrecadado com os municípios por meio de convênios. Mas é fundamental que, uma vez estabelecida, a "Cide Municipal" seja constante e previsível para permitir planos de investimento de longo prazo

4.2 - Receitas não tarifárias: pedágio urbano

Impacto Médio

Prazo Curto

O quê? Estabelece que veículos particulares passem a pagar um pedágio para poder circular nas áreas de congestionamento (geralmente os centros urbanos) das metrópoles. Em São Paulo, poderia corresponder ao "centro expandido" onde vigora o rodízio de veículos. A prática já é adotada em diversas cidades da Europa. A medida aumenta o custo para usuários de carros e outros veículos particulares de carga ou passageiros, melhora os índices de congestionamento e cria uma maior capacidade de investimento público em ampliação da rede de transportes

Como? Há várias formas de realizar a cobrança. Uma delas é a instalação de chips (como os usados para sistemas tipo Sem Parar). Ou com implantação de identificadores de placas em semáforos espalhados pela região pedagiada

4.3 - Receitas não tarifárias: taxa sobre a valorização de imóveis

Impacto Médio

Prazo Curto

O quê? Cria taxa sobre a valorização dos imóveis no entorno de linhas de metrô, VLT ou BRT, que incide sobre o IPTU dos imóveis valorizados e que se reverte diretamente nos investimentos na ampliação da rede de transportes públicos de alta capacidade

Como? A cobrança de imposto maior sobre os imóveis que se valorizam já existe, no entanto ela é incorporada ao Tesouro. No caso, a taxa deve ser usada diretamente para investimentos em ampliação da rede de transportes públicos

5 - Eliminação das vagas de estacionamento em áreas públicas (gratuitas ou "zona azul")

Impacto Médio

Prazo Curto

O quê? Proibir veículos de pararem em áreas públicas (ruas, parques) e assim eliminar a oferta de estacionamento grátis ou barato, que é uma forma de incentivo ao uso do carro particular. A medida torna mais difícil e caro estacionar o carro, reduz congestionamento e mesmo o desejo de possuir um carro. "Oferecer estacionamento grátis é como dar gasolina de graça", ensina Donald Shoup em "The High Cost of Free Parking" (O Alto Custo do Estacionamento Gratuito)

Como? Pode ser adotado por medida administrativa pelos municípios em toda a cidade ou progressivamente, começando pelo centro. Não haver exceções melhora a vigilância pública contra infrações e corrupção. No Japão, desde 1957, para registrar um veículo, o dono deve provar a propriedade de uma garagem para ele

6 - Reduzir vias de trânsito em áreas de grande oferta de transporte público

Impacto Baixo

Prazo Curto a longo

O quê? Fechamento de vias para a circulação de automóveis (tanto reduzindo faixas em vias largas quanto as ruas inteiras), destinando os espaços liberados para pedestres, ciclistas e meios de transporte público

Como? Por medida administrativa, prefeituras de cidades como Londres, Paris e Nova York reduzem cerca de 30 quilômetros de vias ao trânsito em áreas centrais a cada ano. Se esse montante é acompanhado do crescimento da oferta de transportes púbicos, torna mais complicado circular de automóvel ao mesmo tempo em que fica mais fácil e confortável usar coletivos. A cidade de Melbourne (Austrália) adota restrições de trânsito e estacionamento de automóveis em seu centro e, na mesma área, todo transporte público é gratuito

7 - Políticas de planejamento urbano coerentes com o modelo de "Cidade Compacta"

Impacto Baixo

Prazo Médio a longo

O quê? Restringir a ocupação de terras nas margens ou fora das manchas urbanas existentes para evitar o alongamento das linhas de transportes, os custos de estabelecimento de infraestrutura urbana nessas áreas e os danos ambientais. Indução dos investimentos imobiliários nas áreas centrais consolidadas há muitas décadas ou séculos

Como? Restrições à ocupação de novas áreas por meio de medidas administrativas, como cancelando ou evitando projetos de conjuntos populares ao estilo do Minha Casa Minha Vida ou autorização de desenvolvimento de condomínios do tipo "cidade jardim". Medidas legislativas, como Plano Diretor Estratégico das cidades, devem restringir possibilidades de ocupações desses tipos. Da mesma forma, devem ser evitadas ocupações de áreas de baixa densidade para projetos de logística ou indústria (tais como a mudança do Ceagesp, em São Paulo, de uma área de trânsito intenso, levando congestionamento para uma área menos explorada atualmente). Indução de recuperação e adensamento dos centros urbanos já ocupados, usando para isso medidas administrativas, legislativas e fiscais

8 - Adotar o conceito de "Cidade de 30 minutos"

Impacto Baixo

Prazo Curto a longo

O quê? Planejamento urbano das metrópoles deve adotar o conceito de "Cidade de 30 minutos", como tempo médio de deslocamento dos cidadãos entre casa e trabalho. Conjunto de políticas públicas, incluindo incentivos, criação de infraestrutura, regras indutoras de criação de empregos em áreas próximas àquelas zonas que se tornaram dormitórios ou puramente residenciais ao longo das décadas passadas

Como? O conceito de "Cidade de 30 minutos" norteia a proposta chamada "São Paulo 2040", preparada em 2010 por técnicos da prefeitura e da USP para estabelecer estratégias correspondentes a duas vezes o tempo de um Plano Diretor. Sua realização depende do estabelecimento de múltiplos centros urbanos na metrópole, que sejam a referência para os moradores das áreas próximas. Ao mesmo tempo, para os habitantes de bairros distantes que ainda precisarem se deslocar até o centro, é preciso garantir modos de transporte público de alta capacidade e velozes

9 - Comprar carros velhos para tirá-los de circulação

Impacto Baixo

Prazo Curto

O quê? Estabelece um valor para os carros velhos (por exemplo, com mais de 15 anos), na forma de um bônus superior ao valor de mercado desses veículos e força as seguradoras a descartarem os carros com perda total. Proposta do então sindicalista Luiz Marinho (PT), em 2000, não foi implantada quando esteve no governo. Segundo o plano, os automóveis comprados são necessariamente destruídos e reciclados. Com isso, os proprietários são incentivados a tirar seus veículos de circulação. Reduz o número de carros poluentes e sem manutenção e elimina uma das formas de "esquentamento" de veículos roubados. Melhora o cadastro nacional de veículos (hoje mesmo veículos que já foram eliminados constam do cadastro nacional)

Como? Governo compra os veículos velhos e aqueles acidentados com perda total por um valor maior do que o preço de carros clandestinos

10 - Fim dos subsídios indiretos aos combustíveis fósseis

Impacto Alto

Prazo Curto

O quê? Conforme recomendação da Organização das Nações Unidas, os países devem eliminar os "subsídios escondidos" dos combustíveis fósseis, o que significa repassar ao consumidor todos os custos relacionados: subsídios à prospecção e aos preços finais, custos de saúde pública decorrentes da poluição e de acidentes de trânsito; construção de infraestrutura etc. Há muitas projeções de qual seria o preço total, com resultados discrepantes. Na Noruega, um grande produtor de petróleo que reduziu subsídios, o litro de gasolina custa US$ 2,20 (R$ 8,50). A medida aumentaria o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha. Haveria pressão sobre os preços de quase todas as cadeias produtivas

Como? Governos não poderão dar incentivos fiscais a atividades relacionadas à prospecção, extração ou distribuição de produtos petrolíferos. Lei federal deverá atribuir às indústrias de petróleo os custos que a saúde pública cobre com doenças provocadas pela poluição. Esses custos deverão ser repassados aos preços finais para o consumidor e não reprimidos como foram
nos últimos anos